Nûçe Ciwan – Sob a perspectiva da Revolução das Mulheres no Curdistão e na área livre de Rojava, mulheres de todo o mundo pegam o exemplo e a esperança da Revolução e pensam em como desenvolver essa luta em seus próprios territórios. Lúbris Rubra é um coletivo de mulheres do Brasil que compartilhou sua visão sobre a Revolução e a realidade da luta das mulheres no Brasil. Nossa agência conversou com Melissa, Julia e Carlota:
Falo aqui como representante da organização Lábis Rubra e gostaria de agradecer a oportunidade de falar sobre nosso trabalho e coletivo, responder as perguntas que nos foram feitas. O Lábris Rubra é uma iniciativa feminista classista, que surgiu no estado do Mato Grosso do Sul (BR) mas não pretendemos nos limitar a ficar apenas aqui. Queremos criar núcleos em outros estados do Brasil e posteriormente em toda a América Latina.
O Lábris surgiu da necessidade de organizar as feministas a partir de uma perspectiva de classe, partindo do entendimento de que as mulheres ocupam um lugar específico na sociedade capitalista são a categoria política que é historicamente atribuída à esfera do trabalho doméstico e do cuidado com base nisso, nosso coletivo foca assim tanto na produção científica, informativa e artística quanto no trabalho e conscientização popular, e ajuda as mulheres – especialmente as periféricas. Nosso objetivo, portanto, é criar condições para que as mulheres conheçam suas pautas, se unam e lutem pela Revolução, pois só ela nos libertará das contradições da sociedade capitalista.
Essa importância se dá porque historicamente os indivíduos nascidos do sexo feminino, por milênios, foram e são considerados uma classe subalterna dos indivíduos nascidos do sexo masculino. O sexo masculino criou essas ferramentas para nos subalternar (mulheres) em relação a eles.
Essa subernalização acontece principalmente a partir de nossas características biológicas, e capacidades do aparelho reprodutor feminino, que é utilizado para exploração sexual e produção de mão de obra a ser explorada. Então é importante que nós mulheres estejamos juntas, porque todas porque temos esse corpo, é algo que nos une – é algo comum. E como o corpo tem sido controlado, dominado, por essa classe que se coloca como superior, que é a classe dos indivíduos nascidos masculinos. A partir dessa observação, da percepção dessa capacidade reprodutiva, são criadas ideias – que entendemos como uma superestrutura – que são ideias que sustentam essa subaracnidade da mulher, então os homens nomearam todas as coisas do mundo, contaram a história do mundo de sua própria perspectiva. Então, quando olhamos para trás, para este mundo nomeado pelos homens. Então, quando olhamos para esse mundo nomeado pelos homens, existe uma lógica que não diz respeito à nossa história, nós contando nossa história, nosso ponto de vista, nossa percepção em relação a toda a história vivida pela humanidade até agora.
Nesses locais, os homens até nos impediam de estar em local coletivo. Sempre tiveram lugares onde podem estar entre os seus, seja antigamente em fraternidades ou tabernas, o jogo de futebol na quarta-feira à noite, até mesmo em lugares onde as mulheres são maioria, como na religião, por exemplo. Religião é algo que se formos buscar dados, a mulher realmente sempre foi a base, o homem está em um espaço de poder mas a mulher é a maior ‘consumidora’ de religião, e ainda, tem um homem aí que é o homem que organiza isso aí. Então, historicamente, nós mulheres não temos lugares onde possamos estar para contar nossa história do nosso ponto de vista e entender o que nos une, porque quando a gente começa a contar uma narrativa do nosso ponto de vista – do ponto de vista das mulheres, a gente percebe que mesmo essas manchas, a puberdade, a maternidade, tudo isso podemos juntar como uma experiência coletiva, podemos expandir de nossa própria experiência para uma experiência coletiva e não há nada mais antigo do que o trabalho de gerar uma vida.
Dados sobre feminicídio, estupro, prostituição, agressões físicas e verbais, psicológicas e patrimoniais as mulheres vivem, de fato, uma verdadeira e extensa guerra psicológica da qual são vítimas e muitas estão longe de entender que fazem parte de uma engrenagem, de controle e exploração de seus corpos e de sua força de trabalho. Eles nem mesmo entendem as inúmeras ferramentas simbólicas criadas pelo patriarcado que servem para convencê-los e afastá-los das desigualdades e da violência. Isso porque o patriarcado molda nossa forma de pensar, molda como homens e mulheres são vistos e até os desejos do que nós mulheres queremos. É por isso que muitas vezes vemos mulheres que nem sequer têm o arbítrio para realmente escolher uma vida diferente.
Bem, vemos que nossa situação atual é de retrocesso dos direitos das mulheres e de todas as minorias em geral. O pós-modernismo diluiu a luta de classes em problemas meramente discursivos, hoje nas universidades ou nos espaços de produção de conhecimento em geral, não se baseiam mais em meios de superação do capitalismo, o coletivo foi individualizado mas sabemos que são esses os lugares onde as contradições mais se intensificam , onde há maior reação e resistência.
No Brasil ainda existe uma situação relativamente confortável… O que o movimento revolucionário precisa fazer é escancarar as contradições de classe, raça e gênero e organizar a revolta popular em uma força autônoma e organizada. Acreditamos que a experiência de Rojava é uma das mais importantes para analisar e aprender com as mulheres curdas. No Brasil, apesar da misoginia e da violência brutal que as mulheres sofrem ainda não houve uma conscientização e revolta feminina. É preciso olhar para Rojava em sua teoria e em sua prática, para que possamos construir um movimento de libertação das mulheres brasileiras em solidariedade com as mulheres de todo o mundo.
Por fim, gostaria de dizer que a Revolução de Rojava nos mostra que não é possível haver libertação individual sem libertação social. Aprendemos com Rojava que a libertação das mulheres determina a libertação de toda a sociedade e de todas as partes da vida. Sem mulheres não há Revolução. Esperamos construir, no Brasil e na América Latina, uma sociedade baseada nos princípios de Rojava.
Na libertação das mulheres, na organização social verdadeiramente democrática – que conte com a participação de todos, na solidariedade internacional na abolição das classes e na abolição da misoginia do sistema sexo-género.