“Homem Sigma” – A misoginia na modernidade capitalista

Você deve ter se deparado com vídeos de um homem falando durante um certo podcast a respeito de como se acercar corretamente de mulheres (de acordo com a visão dele), onde ele tece vários pontos extremamente absurdos a respeito do tema, o que deixa claro sua postura e visão do que é a ‘mulher perfeita’ para ele e os muitos que o escutam. Uma mulher submissa aos desejos e vontades do homem, insegura, uma vítima a ser salva do mundo em que ele e seus iguais são os heróis da história. Assim como este que viralizou nas redes digitais com seu discurso, outros ainda mais famosos e mundialmente conhecidos são tomados como exemplo por essa nova moda das redes digitais de defender a ideia do ‘Homem Sigma’ baseado no filme “Psicopata Americano” – e hoje tem exemplos práticos como o estuprador Andrew Tate e o agressor Dan Bilzerian, o ‘rei do instagram.’

É importante compreender as origens e formas de que essas ideias misóginas se expressam e como tem ganhado espaço dentro dos espaços de uma juventude alienada. Antes mesmo de tratar de como as redes digitais são um fator crucial e base para tal desenvolvimento e difusão de tais ideias, vale apontar que antes de tal denominação começar a surgir, já existiam os vídeos e edições realizados na internet e fóruns como o 4chan com o título “Rejeite a modernidade, abrace a Masculinidade” com formato de meme e adaptado a juventude da nova geração, a qual passa a maior parte do seu tempo em mídias digitais como youtube, twitter, instagram e tiktok. Estes vídeos começaram a se espalhar rapidamente e representar a mentalidade da direita fascista norte-americana de uma forma pouco vista anteriormente. Com o conhecimento na produção de memes e vídeos, a comunidade fascista do 4chan e seu representante pepe frog, os mesmos círculos reacionários passaram a difundir tais vídeos e discurso, chegando a alcances enormes e saindo de suas bolhas de influência dos fóruns e grupos de ódio. Grupos fascistas e neo-nazistas já conhecidos anteriormente e com um longo histórico de violências passaram a adotar tal metodologia e estética, como é o caso do Patriot Front, Identitarian Generation e Atomwaffen Division.

É sob essa influência e circunstância que homens famosos e ricos, representantes da imagem de um ‘homem bem-sucedido’ dentro do sistema da modernidade capitalista que Andrew Tate e Dan Bilzerian passaram a adotar essa metodologia memística de fazer vídeos de como se comportar e tornaram-se representantes dessa linha. Não é atoa que estes ‘exemplos’ eleitos a partir de sua popularidade nas redes digitais, defendem justamente os ideais os quais alinham-se com a direita reacionária e mascaram seus discursos e atitudes criminosas sob o discurso liberal de “direito de expressão.” Tate foi recentemente preso na Romênia depois de ter sido acusado de violar sexualmente uma mulher, situação as quais vídeos e gravações de voz do caso são mais do que suficiente para provar sua culpa. Bilzerian tem um longo histórico de agressões contra mulheres, desde agressões durante festas até o caso em que ele mesmo publicou em seu instagram um vídeo arremessando uma mulher do telhado de sua casa dentro de uma piscina, o que resultou numa fratura na perna dela. Ambos acumulam dezenas de milhões de seguidores em suas redes digitais, difundem seus discursos de poder e controle, com o esbanjamento de riqueza e consumo e são o produto perfeito da propaganda capitalista moderna. Que fique claro que tal mentalidade são se resume a estes ‘influencers’ e suas posturas, estendem-se também a muitos outros níveis socais e de influência onde entram aí outras celebridades apontadas como “homens de valor”, onde fica clara a postura misógina de tais homens. Como o estuprador Daniel Alves e seu colega de esporte e crime, Robinho, por exemplo.

Sob uma abordagem a qual consideram sendo como tradicionalista, se apresentando como os defensores da moralidade e da ética, estes exemplos citados e muitos outros não passam de mais uma expressão da modernidade e suas máscaras. A ideia da família tradicional, do homem tradicional, do ‘homem sigma’ não passa de um conceito modernizado da velha e bem conhecida conduta do patriarcado em sua forma mais clara e violenta. Somados a essa era de trendings, coachers, influencers e todas essas expressões vazias da inutilidade a qual as redes digitais apresentam a frente da juventude, muitos se deixam ser influenciados por essa propaganda nua e crua do patriarcado, demonstrando por sua vez que a mentalidade patriarcal está presente em cada um de nós – queiramos ou não e que o consumo dessas mídias são um fator de influência negativa. O tema poderia descambar também as redes digitais em si e o que elas representam, sua propaganda, suas bases e a guerra especial utilizada constantemente contra jovens, como isso os molda socialmente. Entender que uma coisa não está desconectada da outra é importante, mas essa reflexão em si merece todo um texto próprio.

Uma vez mais, fica clara a importância da contribuição das análises da Jineolojî do movimento de mulheres Curdas e suas práxis, a qual consiste na leitura e análise de Abdullah Ocalan onde aponta que somente liberando as mulheres a sociedade será livre e que o passo inicial para isto é matar a masculinidade. Enquanto essa nova onda de ‘influenciadores’ prega justamente a aceitação da masculinidade e sua defesa, o movimento revolucionário do Curdistão defende o oposto.

É nossa responsabilidade redescobrir a identidade do homem menos a dominação, compreender-nos a nós próprios como homens e compreender as nossas emoções. Esta luta interna não pode ser uma luta individual que se leva a cabo sozinho diante de um espelho. Só uma dialética coletiva pode nos permitir redescobrir a identidade roubada da humanidade dentro de nós. Não é uma questão de apagar partes das nossas personalidades, mas de aprender a viver novamente. É o amor que nos dá o impulso para a vontade revolucionária, que nos dá a coragem de resistir ao sistema capitalista e ao seu legado de injustiça e erros históricos. Temos de compreender o amor que se esconde dentro de nós e aprender a expressá-lo em termos diferentes dos do patriarcado. Devemos procurar desenvolver um amor revolucionário. Aquilo que nos faz sentir a liberdade do outro como a nossa própria liberdade, aquela emoção de alegria perante a visão de um pássaro voando livremente nas montanhas. Essa emoção que nos permite construir hevalti (camaradagem, companheirismo) em que o florescimento e o desenvolvimento do outro é o nosso objetivo comum. O amor que se esconde no fundo de nós e que uma vez libertado cria a unidade dos seres, a unidade dos povos. O sistema nos nega os laços que fazem dos homens seres vivos, impedindo-nos de expressar e conceber o nosso amor pela vida, alienando a nossa compreensão do amor e da liberdade.” – Lutar contra o Homem, matar a dominação; Revista Lêgerîn, 02

Entre aqueles que formaram nossa noção de beleza está Aristóteles. Ele definiu a beleza com ideais e proporções matemáticas. Ele disse: “As principais formas de beleza são ordenadas, simétricas e precisas, com a demonstração das ciências matemáticas em um grau especial”, e expressou isso na “proporção áurea” da matemática. Hoje, rostos e corpos são recortados e reconstruídos por cirurgia plástica, como se fossem feitos de barro, a fim de alcançar padrões matemáticos como na “proporção áurea”. Corpos e organismos vivos são transformados em réplicas de estátuas. As definições de beleza, da beleza da mulher para ser mais preciso, seguem as afirmações de Aristóteles, que definiu as mulheres como “homens mutilados”, que são inferiores aos homens. Apresentando as medidas ideais do corpo da mulher como 90-60-90, declara qualquer outra forma ou tamanho de corpo de mulher como defeituoso. Neste sentido, podemos embelezar a vida lutando contra a feiura, a injustiça e o mal ao nosso redor. Especialmente como mulheres, devemos estar conscientes de nossa responsabilidade de embelezar a vida, pois sempre fomos as maiores vítimas da feiura. Como guerrilheira e camarada Bêrîtan (Gülnaz Karataş) maravilhosamente expressou após uma ação em Rubarok, onde foi atingida por uma bala na cara pelo inimigo: “Veja como se pode ser bonita. Estou tão bonita agora.”

A companheira Bêrîtan é uma das primeiras a entender que não temos escolha a não ser sermos belas através da luta. Isto se torna ainda mais evidente quando consideramos os últimos acontecimentos, tais como o aumento sistemático da violência contra as mulheres. Não me refiro apenas a nos defendermos fisicamente com armas. Mulheres que democratizam a política, mulheres que arriscam suas vidas para proteger a comunidade outras mulheres, mulheres que se educam a si mesmas e às pessoas ao seu redor, mulheres que vivem em comunidade, mulheres que salvam o equilíbrio ecológico, mulheres que lutam para criar seus filhos em territórios livres, com suas próprias identidades… e muitas outras; todas elas são mulheres que se fazem belas lutando. No mundo de hoje, cheio de feiura, injustiça e maldade, não é a estética das formas físicas, aumentada, que constituem a beleza; apenas as mulheres que defendem a vida através da luta são aquelas que podem criar beleza.” – Viver a beleza de forma coletiva, Revista Lêgerîn, 02