Entrevista com a Teia dos Povos

O internacionalismo revolucionário está presente na revolução do Curdistão desde a formação do partido revolucionário que vem realizando esta luta há 50 anos. Especialmente após a libertação do território de Rojava e a declaração de Autonomia no Nordeste da Síria, a linha internacionalista tem se fortalecido cada vez mais no movimento pela liberdade e encontrou solidariedade com diferentes povos e movimentos ao redor do mundo.

A Teia dos Povos é uma articulação de comunidades, territórios, povos e organizações políticas, rurais e urbanas. Extrativistas, ribeirinhos, povos nativos, quilombolas, povos periféricos, os sem-terra, os sem-teto e os pequenos agricultores se unem, como núcleos de base e vínculos, nesta composição com o objetivo de formular os caminhos da emancipação coletiva. Ou seja, construir solidariamente uma Aliança Negra, Indígena e Popular. Sob o projeto de Terra e Território através da autonomia, eles buscam construir uma aliança de luta desvinculada da política eleitoral e das instituições do Estado. Moldar a autonomia dos povos e delinear um programa de soberania alimentar são os passos que entendemos como necessários para a verdadeira libertação, pois é historicamente evidente para nós que somente nossas próprias mãos nos darão as condições para defender nossa sobrevivência.

A partir destas perspectivas, a agência da juventude revolucionária Curda Nûçe Ciwan conversou com Joelson Ferreira de Oliveira, um dos membros da Teia dos Povos, sobre suas lutas locais e a Solidariedade Internacional com o povo curdo e sua luta:

 

 

“Meu nome é Joelson Ferreira de Oliveira, vivo no Assentamento Terra Vista há 30 anos. Sou um dos fundadores do MST na Bahia, e há 10 anos estamos construindo a Teia dos Povos”.

A Teia dos Povos nasceu da necessidade de construir uma nova forma de fazer política no Brasil. Entendemos que o capitalismo mudou, e com esta mudança, devemos também fazer uma mudança organizacional, ou seja, entendemos que esta velha maneira de fazer política baseada nas revoluções francesa e russa ficou sem tempo e por isso é necessário reconstruir. Não acredito que possamos fazer uma Revolução de cima para baixo, acreditamos que é necessário que a Revolução nasça do seio do povo, então nada melhor do que neste século 21 podemos reformular algumas questões que são primordiais para fazer a Revolução do povo.

Vivemos em um país de proporções continentais, com uma variação de povos. Ou seja, os povos originais – os povos primitivos da região que já estavam aqui antes de 1500, quando ocorreu a invasão portuguesa. Temos também a diáspora africana, um povo que foi trazido da África para ser escravizado aqui, quase 400 anos de escravidão e temos também o povo que veio de outras diásporas, vários povos europeus que vieram após a invasão. Portanto, aqui temos uma miscelânea de povos e é necessário repensar a Revolução em um país tão dinâmico quanto o nosso.

Nós da Teia entendemos a importância dos povos originais na luta pela construção da Revolução Brasileira sem eles, é impossível construir um projeto de Revolução no Brasil. Porque eles foram os primeiros a estar presentes neste território e sabem tudo, estão aqui há 40 mil anos. Desrespeitar esta construção, este conhecimento, significa não ter a possibilidade de fazer a Revolução. Quando falamos desta questão da ancestralidade, da espiritualidade e da relação destes povos com a terra, não são muitas as pessoas de esquerda que compreendem isto, mas este entendimento já existia na América do Sul e Central, inclusive no Peru, um grande pensador que já colocava esta necessidade de fazer tanto reconhecimento da força dos povos originais, assim como de assumir sua causa. Porque a luta pela terra e território que os povos originais nunca abandonaram.

Desrespeitar o conhecimento ancestral destes povos que eles têm no Brasil há mais de 40.000 anos, significa não construir a Revolução. A outra questão é o povo negro que veio da África, sem esta diáspora africana sem o conhecimento destes povos – que também é de grande conhecimento ancestral e espiritual, eles eram um povo que veio para cá e alguns deles eram de sociedades tribais e outros eram de grandes sociedades já existentes no continente africano e trouxeram grande conhecimento com eles. Se falamos dos povos que se uniram com os portugueses, como os mouros e outros povos europeus, perdemos esta importante essência que veio aqui ao Brasil, então precisamos acrescentar toda esta grandeza com estes povos, ou seja, a unidade tem que vir das grandes características destes povos.

Os que destruíram esta lógica de destruir o conhecimento ancestral e seu conhecimento histórico sobre a humanidade, foram os europeus que vieram para colonizar. Na verdade, eles não colonizaram de forma alguma! Eles vieram para estuprar, ou seja, para despojar os recursos que temos e destruir toda a sabedoria, o conhecimento e toda uma sociedade que já existia aqui. Também destruíram a ciência e o conhecimento do povo negro. Portanto, eles eram uma sociedade que veio para destruir outras sociedades. Para completar, eles vieram com esta construção do capitalismo para destruir todos os processos e conhecimentos da natureza as vidas que aqui existiam antes mesmo da vida humana.

A luta do povo curdo, e de todos os povos originais do mundo, tem suas próprias particularidades como suas responsabilidades locais, responsabilidades nacionais, mas temos tudo a ver com uma grande aliança – que já se tentou construir, revolução pós-soviética e não funcionou porque às vezes havia questões de imposições (soviéticas) sobre os outros povos e havia também uma relação de paternalismo, de fazer pelos outros. Precisamos entender as diferenças destes povos originais, entender a diferença do povo curdo e quais são suas lutas locais, regionais e nacionais e temos que acrescentar isso às lutas de outros povos com as grandes coisas, porque estamos pedindo uma grande aliança, mas não uma aliança tola, que não é inteligente. Buscamos uma aliança com suas diferenças, com povos diferentes e suas potencialidades, mas acima de tudo temos que construir esta aliança de acordo com as potencialidades de cada povo.

Então, qual é a grandeza do povo curdo que podemos discutir para construir esta aliança?
Qual é a capacidade que temos aqui para fortalecer o povo curdo ali?
E qual é a capacidade que o povo curdo pode nos fortalecer aqui?

Esta aliança tem que ser uma aliança de ida e volta, não apenas uma aliança de ida e volta. Tem tudo a ver conosco começando a buscar outra perspectiva de aliança a partir do princípio da solidariedade e da luta concreta. Porque acreditamos que somente com a luta concreta é possível fazer alianças e somente com o conhecimento das lutas de outros povos podemos construir esta unidade, porque precisamos conhecer os outros povos, sua natureza e processos de sua luta para sermos incluídos em sua luta também. Assim como os curdos também precisam compreender nossa luta, nossas particularidades e responsabilidades, para criar unidade. Uma solidariedade de classe, de povos, para que possamos avançar neste processo contra o capitalismo e o imperialismo. Qualquer forma de imperialismo que tenhamos que lutar.

Qualquer forma de capitalismo que temos que lutar, e agora estamos vivendo um momento muito oportuno para que possamos construir estas alianças anticapitalistas, anti-imperialistas, para que nos fortaleçamos neste processo e criemos uma consciência e um chamado ao re-encantamento, especialmente da Juventude, das Mulheres, de todos os povos nesta luta radical contra o império e o capitalismo”.