Nas jornadas de junho, foi o primeiro momento em que senti a euforia de uma mobilização popular e o sentimento comum de exaustão e revolta. Foi quando senti a necessidade de compreender o porquê de tanta gente (especialmente juventude) estar indignada, mas não a um nível superficial. Queria compreender a raiz do problema. Afinal de contas, 2 anos antes das jornadas houve a primavera árabe; no ano anterior um golpe parlamentar no Paraguai; e naquele mesmo ano, protestos na Turquia, Tunísia, França, Venezuela, Ucr ânia e outros países. Foi então no segundo dia de manifestação que experimentei o efeito de gás pimenta pela primeira vez e vi pessoas feridas por balas de borracha nada comparado a atuação covarde da pm fascista de SP no mesmo dia. Não compreendia porque estávamos sendo atacados pela polícia, mas acreditava que uma solução pacífica e uma resposta não violenta era possível.
Dois dias depois, a terceira mobilização em —. 50 mil pessoas nas ruas da cidade, mesmo sob forte chuva. Lembro muito bem de estar me divertindo na chuva e vendo tanta gente nas ruas…assim como, lembro do momento em que passamos na frente do hospital e as 50 mil vozes se calaram sem que ninguém tivesse que pedir ou ordenar, isso já diz muito por si só. Era a p rimeira manifestação que os gêmeos estavam comigo, Rodrigo estava com dor de garganta e por isto não ficamos até o fim da marcha. Enquanto aguardávamos pela chegada do ônibus para ir embora, ouvimos as bombas estourando e pessoas deixando a marcha passando mal por conta do gás. Assim como nos demais estados em que estavam ocorrendo manifestações, as pessoas estavam levantando os braços como forma de não agressão e mesmo as sim eram atingidas por cacetetes, bombas e bala de borracha…vendo estas imagens, entendi a importância de nos defendermos.
Em alguns estados, os Black Blocs já estavam sendo utilizados como forma de defesa contra a polícia e a repressão. Decidi estudar sobre o que isto se tratava e sobre a ideologia de quem os formava. Há quem não acredite mas eu nunca quebrei uma vidraça admito, me arrependo disto –, a primeira pedra que atirei contra a polícia foi só em 2017. Sempre defendi a ideia de nos defendermos, porém não atacarmos…com o tempo, compreendi que o ataque também é uma forma de defesa. Enfim, tempo foi passando e diversas mobilizações ocorreram, 2014 também seria um ano importante para o avanço do meu entendimento sobre a importância da resistência , política e militância. Não preciso entrar em todos os detalhes dos esquemas da copa, despejos, afastamento entre a classe política e sociedade, etc.
Bom, continuei estudando sobre os temas, me interessando cada vez mais…comecei a estudar a teoria marxista, mas nunca participei de coletivos e movimentos de forma organizada. O fatídico 7×1 aconteceu, logo em seguida a polêmica eleição de 2014 e pouco tempo depois, o início do processo do golpe midiático parlamentar e eu me via no meio de tudo isso que estava acontecendo, tendo consciência de que isto mudaria a história do nosso país. Compreendi que estava fazendo parte de um processo histórico e isto me motivou ainda mais para compreender as coisas.
Em 2015, vi as forças obscuras dos movimentos conservadores e nacionalistas crescerem, com o apoio de partidos políticos da oposição ao PT e com o apoio da mídia. Sob o pretexto de “lutar contra a corrupção” vi o crescimento de uma ideologia nefasta, o oportunismo de grupos políticos interligados com multinacionais e empresários milionários aproveitarem o momento para colocar sua pauta na ordem do dia. Um processo similar havia ocorrido no Paraguai em 2012; na Venezuela tentam fazer isto desde 2003. Na Ucrânia neste momento, já havia iniciado a guerra civil, que começou com um processo de mobilização popular e usurpação do movimento por grupos da extrema direita. No mesmo ano, foi dado início ao processo de impeachment de Dilma, sob um forte discurso machista e conservador, em defesa da “família tradicional brasileira” tenho nojo deste nome hoje –, o impeachment foi consumado em 2016 e mais uma vez, as coisas mudaram. Ps: tenho diversas críticas ao PT e sua política social democrata traidora, sua direção vendida e sua mentalidade capitalista e estadista.
Os ataques de Temer e seus aliados, evidenciaram os anos que viriam a seguir e o que esperar dos mesmos. Era necessário fazer algo e me organizar. Depois de tomar iniciativa e chamar um ato com meu perfil pessoal do Fb, me juntei com pessoas que participaram deste ato e criamos —, numa tentativa de formar uma organização dem ocrática e popular que combateria os ataques do estado, das mais variadas formas. Acabamos nos tornando uma frente ampla de esquerda, com a participação de coletivos, partidos, sindicatos e independentes. No ano de 2016, entre agosto e dezembro, realizamos mais de 40 mobilizações! Ocupamos as ruas, pintamos paredes, o centro da cidade tinha sinais da nossa presença por todos os cantos, realizamos debates, educações, oficinais e também nos tornamos uma mídia independe e de esquerda. Para colaborar com nossa extensa atividade, as ocupações de escolas (e posteriormente universidades) ocorreram…Sendo os primeiros a expor as ocupas e criar contato com os estudantes, nos tornamos a maior página de conteúdo de esquerda na cidade. Foi por meio da comunicação que diversos estudantes se inspiraram pelas ações de outros e ocuparam suas escolas. Foi durante o período das ocupas, que entendi a luta antifascista e me somei ao coletivo antifascista, porém, me deixei ser influenciado pela mentalidade da subcultura a qual vejo aspectos positivos e negativos –, porque estava passando por um processo de auto descobrimento e auto compreensão (isso não quer dizer que não goste de muitas coisas presentes na subcultura, mas isso não dialoga com a sociedade).
Durante o período das ocupas, estávamos no auge. Milhares de escolas ocupadas no país. Centenas de grêmios estudantis sendo formados, milhões de pessoas no alcance da página do facebook, enfrentamento com fascistas, reformas sendo feitas nas escolas ocupadas, debates, oficina s, a experiencia de compartilhar um espaço e vivermos de forma organizada e não hierárquica, manifestações de rua e mais. Porém, ao fim de tudo isso, a PEC 55 e a reforma estudantil foram aprovadas. Qual foi o legado deixado pelos estudantes? Onde erramos? Por que a desmobilização completa foi tão rápida? Aonde foi parar a esperança de mudarmos algo? Há diversas análises e respostas para estas perguntas, mas vou compartilhar convosco a minha.
Naquele momento, o movimento de ocupas teve em suas mãos a oportunidade de criar algo revolucionário, mas isso não se concretizou. Isto ocorreu por 1. disputas internas entre autonomistas e organizações estudantis ligadas a partidos reformistas, 2. individualismo, 3. mentalidade da subcultura, 4. conjuntura politico so cial do momento e 5. falta de uma estrutura comum, com método e objetivo claro e a longo prazo.
Isto está relacionado com nossa personalidade militante isto é, a pessoa que nos tornamos desde o momento em que decidimos nos juntar ao partido. Fomos criados dentro do sistema, temos muito de sua mentalidade interiorizado em nós. Serokatî diz “80% do inimigo está dentro de nós”, isto não poderia ser mais preciso. Acho incrivelmente único como este movimento faz analises profundas sobre nós mesmos, nossa relação em sociedade, com a natureza e etc. Sem duvida, é o motivo para ser o único movimento da época de revoluções marxistas que sobreviveu a investida do estado e da liberalização da esquerda. Um dos camaradas que está no partido mesmo antes da sua formação, disse que é uma luta interna constante e diária…poucas pessoas estão dispostas a se empenhar desta maneira. Admito que no começo achava ser impossível fazê lo, que eu não conseguiria, ou então me enganaria. Mas desde então, estive e m contato com pessoas maravilhosas, que posso dizer sem sombra de dúvida que as amo. Assim como, estive em contato com pessoas em movimentos similares aos que fiz parte, e pude as ver como um reflexo do meu antigo eu. Todos somos capazes de fazê-lo…evolução é uma característica humana, caso contrário, estamos estagnados. Claro, estamos falando aqui de uma mudança radical, mas é como ela deve ser. Afinal de contas, estamos desconectados de nossas raízes, para nos reconectarmos com a sociedade natural, deve mos buscar a raiz do seu entendimento e coloca lá em prática no nosso dia a dia, viver de acordo com isto. Serokatî (Abdullah Ocalan) é mais do que uma ideologia política, é mais do que um comprometimento ativista, é um modo de vida.
Para podermos falar de revolução, para podermos um dia nos chamarmos de revolucionários, primeiros precisamos revolucionar a nós mesmos! Esta é a única maneira para viver verdadeira livre do sistema capitalista e sua mentalidade, que escraviza as pessoas a um nível de submissão jamais visto antes. E o pior, de acordo com a mentalidade criada, as pessoas tendem a acreditar que ser livre é “ter ”. Quanto mais ela consumir, quanto mais dinheiro acumulado ela tiver, quanto mais ela puder viajar, quando puder comprar o que quiser e quando quiser, mais livre ela será…que liberdade é esta? E mesmo se isto fosse verdadeiramente liberdade, como poderia viver comigo mesmo desta forma sabendo que milhões, senão bilhões, de pessoas sofrem diariamente sem terem o básico para terem uma vida digna justamente por conta da exploração e mentalidade desse sistema? Como poderia viver ignorando os males do sistema capitalista?
Quantas vezes ouvimos a frase “os jovens são o futuro da nação”? Somos o futuro da nação somente para o slogan eleitoral ou para a frase de efeito. Quando se trata de tomadas de decisões, os jovens são os primei ros a serem ignorados, afinal de contas, não tem experiência de vida. Somos o futuro da nação, mas não somos representados propriamente nas instituições políticas e quando pensamos em fazê lo somos levados a gozação. Somos o futuro da nação, sim, de acordo com a perspectiva mercantil…aí sim, a juventude é de grande interesse. Mas uma juventude alienada, caso contrário, ela causará problemas para a ordem estabelecida. Por isso, cada vez mais vemos crianças de 4 anos ou menos, utilizando celulares como adul tos e se acostumando com a idéia de sempre terem um celular em mãos, eu mesmo…passava horas e horas na frente da televisão e do computador, jogando e assistindo séries. O que estava produzindo para a sociedade desta forma? Qual era minha contribuição? Ag ora imagina o panorama geral…sexo, drogas, álcool, TV, PC, tudo isso a um nível geral da juventude. Não é atoa que tenhamos uma juventude apolítica. E apolítico é a pior coisa possível, pior ainda que ser um nacionalista ou conservador. Porque a pessoa a política acredita não ter uma ideologia, mas ela tem. A ideologia do sistema está sendo exercida diariamente em sua vida...Desde o momento em que acorda e vai trabalhar, até o momento em que volta para casa e consome mais produtos do sistema. Este é o verdadeiramente produto perfeito do capitalismo, pessoas que creem que esta é a normalidade, a vida é assim mesmo, só pensam no dia seguinte ou no dia presente, sem perspectivas. Somos conhecidos como a geração do “nem nem”, nem estuda e nem trabalha…mas que m é que se predispôs a entender o porquê disto? Este é um processo que se repete em outros lugares, não somente no Brasil. A lógica de trabalho mudou, a forma de conseguir um emprego também, as relações sociais e a conjuntura política dos anos 2000 em dian te criaram um novo cenário, uma nova interpretação é necessária.
Se hoje eu tive a oportunidade e decidi vir a Rojava e me juntar a Revolução de mulheres do Século 21 foi porque enquanto um jovem de 15 anos em 2013 eu conheci o sentido da luta, de auto-defesa e da realidade do estado da modernidade capitalista – assim como as máscaras da social democracia. Tratar as jornadas de Junho como o ovo da serpente fascista é ignorar a conjuntura a qual a social democracia, a conciliação com a elite e o apaziguamento da classe trabalhadora criou sob a sociedade brasileira daquele período. Sem dúvidas, a direita golpista soube se aproveitar do momento e criar uma narrativa a partir dos protestos e surfar com isto para dar início ao golpe político-midiático-parlamentar contra a primeira presidente eleita na história do Brasil. Entretanto ignorar as bases e origens, os motivos e revoltas que estouraram na época é no mínimo anti-ético…temos que aprender com o processo pelo qual passamos, reconhecer nossos erros, realizar uma auto-crítica sincera e profunda e nos preparar para o futuro. Lula e a sua frente ampla ganharam a eleição, mas a luta contra o fascismo continua mais forte e necessária do que nunca e a única maneira de barrar o fascismo é construindo uma alternativa. Mas qual alternativa?
Bom, eu acredito na alternativa proposta pelo movimento revolucionário internacionalista da linha apoísta!